quinta-feira, 15 de novembro de 2007

CINEMA E REVOLUÇÃO RUSSA





A REVOLUÇÃO DE 1917 E O CINEMA


A Revolução Soviética de 1917 terá sido seguramente dos acontecimentos mais marcantes do século XX, de um ponto de vista social e político, e certamente também um dos que, tendo ocorrido numa época em que já existia o cinema, maior empenho deveria ter provocado no registo de actualidades e documentários, preservando os acontecimentos reais, ou despoletando posteriormente um conjunto de obras de ficção (ou documentário de reconstituição), que permitissem manter viva a chama da Revolução. Assim não aconteceu, todavia.
Há filmes, obviamente. Há documentários coevos. Há ficções posteriores. Mas não há um volume de títulos como seria de esperar, atendendo, ainda por cima, ao facto de o cinema, como arma de agitação política, de manipulação e difusão de ideias e mensagens, ter sido desde sempre olhado como a arte por excelência para servir os desígnios dos bolcheviques. Lenine assim o intuiu, a revolução assim o aplicou, realizadores como Sergei M. Eisenstein, Dziga Vertov, Vsevolod Pudovkin, Alexander Dovzhenko e tantos outros, assim o fizeram (ou procuram fazer, pois cedo se percebeu que a revolução estética não era tolerada pela revolução social, que a dominou e integrou no quadro de uma progressiva “normalização” de linguagem e de intenções, ao serviço do novo poder instituído).
No caso do cinema (agora com cento e pouco anos de História, na altura da Revolução com cerca de vinte anos de vida), raramente, porém, teve a oportunidade de acompanhar uma revolução social e política com a eclosão de novas formas e conceitos estéticos, como no que se refere à Revolução Russa de 1917. Enquanto a sociedade explodia e as leis sociais vigentes eram totalmente submergidas por uma nova classe social que atinge o poder, o cinema teve a oportunidade não só de acompanhar a mudança, como ele próprio mudar com essa mudança. A uma revolução total de cariz social, o cinema responde com uma revolução estética e formal de idêntico perfil. Enquanto o materialismo dialéctico definia regras de conduta política, a montagem cinematográfica inventava esse materialismo dialéctico ao nível das formas. Se o fenómeno social era explicado por “tese, antítese e síntese”, para se concluir que a sociedade avançava historicamente com base nesta progressão, no cinema a ideia vingava de igual forma: um plano (tese) ligado a outro (antítese), impõem uma síntese de significado que não é igual à soma dos dois, mas a algo que ultrapassa essa soma (síntese).
Sergei M. Eisenstein é, neste ponto, um dos cineastas (será mesmo um dos artistas) mais interessantes e criativos do séc. XX, com uma obra que mereceu, e merece ainda, estudos, criticas e análises, aprofundadas e desencontradas por vezes, de maior fôlego e projecção. Ele é um dos mais importantes realizadores cinematográficos de toda a história do cinema, porque ajudou a criar uma linguagem autónoma para a sétima arte, inventando métodos essenciais na criação de filmes, sobretudo no que à montagem diz respeito. Compreendeu ainda que o cinema é uma das mais valiosas formas de comunicação em massa, um dos meios mais prodigiosos para a difusão de mensagens. Não terá inventado a propaganda, mas levou-a ao seu ponto máximo de eficácia no cinema. Não descobriu a manipulação através das imagens em movimento, mas serviu-se dela como nenhum outro até ai o fizera. Teve o mérito de desbloquear um processo, e igualmente o ónus de abrir caminho a toda a demagogia visual que assenta a sua eficácia na forma como as imagens são “preparadas” e “servidas” ao público consumidor.
No início da carreira, as suas obras surgem inseparáveis das suas convicções políticas e da ideologia do regime que ajuda a criar e aceita servir. Eisenstein lutou pela revolução com a convicção do poder das imagens. Ajudou a consolidar o derrube do czarismo e promoveu a ascensão de Lenine que nunca abandonou a visão utilitária do cinema, como veículo preferencial de propaganda política. Por isso Lenine incentivou a criação artística, lançou anualmente produções cinematográficas que se destinavam a difundir os ideais da Revolução e igualmente a promover a discussão entre operários, camponeses, soldados e marinheiros, as bases de apoio da Revolução Bolchevique. Neste aspecto. o “Cine Olho” de Dziga Vertov, levou o cinema, literalmente de comboio, até os locais mais remotos da Rússia onde se rodavam actualidades, se montavam e se projectavam de imediato junto do público que as havia ajudado a conceber. Estas actualidades de agitação política, conhecidas como “agit prop”, funcionavam como elemento catalizador de debates e discussões acaloradas.
Mas muitos outros filmes se iam produzindo, com intenções análogas. Um dos primeiros e mais importantes foi “A Greve” (1925), onde era abordado o caso de uma greve, ainda durante o período czarista, onde se testemunhava o labor dos trabalhadores em busca de melhores condições de trabalho e de vida, em confronto com os patrões, vistos como ditadores capitalistas, tendo como aliado o poder político e militar. O filme não recua perante nenhuma forma de associação de imagens (montagem por atracção) para recriar no espírito do espectador as sensações requeridas. Por vezes as mais primárias, noutros casos bem complexas e elaboradas.
Mais tarde, com “O Couraçado Potenkine”, encomendado pelo governo da ex-URSS, Sergei M. Eisenstein (então com 27 anos) reconstitui um levantamento militar a bordo de um navio de guerra, em Outubro de 1905. “O Couraçado Potenkine”, rodado em três meses, celebrava vinte anos sobre a revolta premonitória contra a tirania dos oficiais superiores, contra a prepotência das instituições. Partindo de uma revolta contra a má alimentação recebida a bordo do navio, o conflito alarga-se até à revolta total que se estende do mar à terra russa, com a famosa sequência da escadaria de Odessa (Ucrânia), quando o couraçado é esperado por populares nesse porto do Báltico, e estes são barbaramente reprimidos pelas tropas do Czar, que arremetem contra os manifestação com invulgar fúria assassina. A imposição de um herói colectivo em detrimento do vulgar herói individual do cinema norte-americano, a clara alusão a (discretos, mas eficientes) dirigentes do partido comunista (que controlam sub-repticiamente as massas e as encaminham no sentido da revolução), a límpida indicação dos inimigos de classe do proletariado (e que são capitalistas, oficiais superiores, o czarismo, enquanto regime politico, a burguesia instalada - caso do médico do navio, dos cozinheiros, etc. -, a igreja), tudo se conjuga para a construção de uma obra de sentido unívoco, fácil de perceber por quem a vê, clara no seu significado e convincente na emoção que desperta.
A nível da montagem este é um filme absolutamente indispensável, um verdadeiro marco na história da cinematografia mundial, uma obra que iria influenciar para todo o sempre a narrativa visual. Neste particular a já citada sequência da escadaria de Odessa é incontornável. Em 2005, oitenta anos depois da sua estreia na Rússia, e 100 anos após os acontecimentos que recriava, o filme foi mostrado na Berlinale numa nova versão, que incluiu, pela primeira vez e sem cortes nem censura, os inter-títulos em russo e as palavras de abertura de Leon Trotsky. Este restauro incluía igualmente vários planos “recuperados” nesta famosa sequência de Odessa. É conveniente referir que não existe nenhuma cópia completa da versão original russa de “O Couraçado Potenkine” tal como foi estreada, pois a obra foi bastante censurado na ex-URSS na década de 20. O restauro foi da responsabilidade da Cinemateca Alemã, com o apoio do Arquivo Federal de Cinema de Berlim e do British Film Institute. A música original de Edmund Meisel também foi recriada por Helmut Imig, dirigindo a German Film Orchestra de Babelsberg.
Pode dizer-se que nos primeiros anos da revolução os cineastas (tal como poetas, escritores, artistas plásticos, homens de teatro…) gozaram de uma certa liberdade criativa e ensaiaram um experimentalismo formal extremamente sedutor. A URSS caminhava na crista das vanguardas europeias. Algo, no entanto, que iria durar pouco. Uma censura feroz abateu-se sobre toda a criação artística, impondo critérios, cortando, mutilando obras, retirando personagens históricos (Leon Trotsky foi o exemplo mais célebre, que “desapareceu” de fotos e filmes, pretendendo-se assim que a sua existência física deixasse de aparecer aos olhos do público). O que de início era o culto do colectivo passou a culto da personalidade e do “herói” bolchevique (o que se tornou demasiado evidente no período estalinista). Da crista da modernidade resvalou-se para o academismo mais conformista, com o conceito de “realismo socialista” a impor regras e convenções.
Voltando à época gloriosa, e a Eisenstein, há que referir finalmente o filme “Outubro” (Oktyabr) que, em 1927, assinalou os vinte anos da Revolução Bolchevique. Partindo de uma obra do jornalista norte-americano John Reed, “Os Dez Dias que Abalaram o Mundo" (“Ten Days That Shook the World”, mais tarde, em 1981, igualmente na base de “Reds”, de Warren Beatty), “Outubro”, uma encomenda do Sovkino (conselho responsável pelo cinema na URSS), organiza uma panorâmica em forma de epopeia dos dias que levaram à queda do czarismo e a entronização do regime comunista na Rússia. Sergei M. Eisenstein contou com a assistência de Grigori Aleksandrov, que mais tarde iria entregar a Shostokovich a partitura musical que acompanha o filme.
Não forma pacíficos porém os dias da rodagem, com Eisenstein em constante conflito com as autoridades, sobretudo pelas sequências onde aparecia Trotsky. Tratando o filme dos "dez dias que abalaram o mundo" obviamente que Leon Trotsky teria de surgir como personagem central. Mas é em 1927 que Trotsky é expulso do Partido, iniciando-se a “reescrita” da História levado a cabo por Estaline e seus pares. A linha programática estalinista influenciaria o filme de Eisenstein, no qual um terço da película é cortada, por causa de Trotsky, mas também por certas referências a Lenine (vários discursos foram eliminados, com a justificação de que "o liberalismo de Lenine já não era válido”).
Acompanhando cronologicamente os acontecimentos, com o assalto ao Palácio de Inverno como momento dominante, “Outubro” ensaia ainda um experimentalismo formal vibrante, com sequências de grande poder contagiante. A cena que mostra os relógios com horas diferentes em cidades de todo o mundo que depois alinham pela hora de Moscovo é um bom exemplo. Mas globalmente “Oktyabr” é desequilibrado e foi terminado à presa para Eisenstein partir para outra aventura cinematográfica, numa altura em que a agricultura era a nova linha de prioridade do Partido.

A REVOLUÇÃO RUSSA VISTA DO OCIDENTE
Três títulos ocidentais sobressaem entre os que, ao longo das décadas, se ocuparam da Revolução Russa de 1917: “Doutor Jivago”, de David Lean, “Nicolau e Alexandra”, de Franklin Schaffner, e “Reds”, de Warren Beatty.
Boris Pasternak, o autor de “Dr. Zhivago”, foi prémio Nobel de literatura com este romance que esteve na base da adaptação de David Lean (EUA, Inglaterra, 1965). Pasternak provocou uma enorme polémica internacional ao lançar no Ocidente este painel impressionante da vida na Rússia, durante os dias da Revolução Soviética de 1917. Panorâmica de um país em profunda transformação política, económica e social, com os seus excessos e a generosidade do povo, “Dr. Jivago” chamava a primeiro plano a figura de um homem, lutando pela sobrevivência e a dignidade, acompanhando-a com uma história de amor.
Foi com base nesta obra literária que David Lean criou uma superprodução com momentos fulgurantes e a cuidada descrição de uma época de difícil reconstituição. O gosto pela vastidão da paisagem (aqui a paisagem gelada do Norte da Europa, como antes o havia feito com o deserto em “Lawrence da Arábia”, ou o campo de concentração de “A Ponte do Rio Kway”, ou o iria continuar com o misterioso Oriente, em "Passagem Para a Índia), a discrição no esboçar dos conflitos humanos e no despoletar das paixões, o subtil equilíbrio encontrado entre a história individual e o drama colectivo, tudo isto faz de “Dr. Jívago” um belo filme, com excelente adaptação ao cinema do dramaturgo inglês Robert Bolt, ostentando um ou outro senão, entre eles uma certa demagogia nalguns momentos, e sobretudo uma deficiente interpretação, nomeadamente por parte de Ornar Shariff.
A seguir surge “Nicolau e Alexandra”, rodado em 1972. Convirá antes de mais nada sublinhar que Franklin Schaffner foi sempre um cineasta interessante, desde os tempos da sua estreia com “Os Candidatos”, passando por “O Senhor da Guerra”, “O Planeta dos Macacos” ou “Patton”, itinerário donde se retira urna obra bastante medíocre (“O Duplo Homem”). Este “Nicolau e Alexandra” ilude alguma da expecta­tiva que em seu redor se tenha gerado.
Expectativa que só vem demonstrar igualmente a incompetência e incongruência dos critérios da anterior censura portuguesa, uma censura que nem para si própria sabia ser coerente. Na verdade, é algo delirante o que se pode constatar vendo esta superprodução de 1972 que só consegue estrear-se em ecrãs de Portugal em Maio de 1974, em virtude de tantos serem os cortes im­postos pela censura marcelista que a distribuidora portuguesa e produtora americanas se viram forçadas a prescindir da obra. Pois bem, o filme que tanto preocupava a boa consciência dos “pila­res” desta nossa comunidade é, como hoje em dia se pode ver, um bom exemplo de uma visão anti-bolchevique e muito pró-czarista. Ou, de uma forma mais nuanceada, uma obra que critica as transformações revolucionárias e lamenta a sorte das vítimas da Revolução de 1917. Muito longe, portanto, de qualquer apologia comunista que poderia ter sido vislumbrada pela censura de então. Mas calcula-se que a inquietação dos censores fosse tão primária que o simples facto deste filme abordar o caso de uma revolução fosse suficiente para o tornar perigoso. Alguns factos basta serem “nomeados” para se tornarem matéria de risco.
Procurando conciliar a visão psicológica do drama vivido pela família do último czar da Rússia com o painel histórico em que ela se inscreveu, este filme de Schaffner nunca logra harmonizar plenamente o individual e o colectivo, muito embora se possa reconhecer que ao nível da reconstituição histórica factual a tarefa tenha sido conseguida. É possível que os factos, as datas, os acontecimentos não andem longe de uma qualquer verda­de histórica, mas não é aí que este filme fraqueja. Como produto de uma época onde predominam ainda resquícios da “Guerra Fria”, ideológica e como sempre redutora, “Nicolau e Alexandra” resulta um documento de uma certa de­magogia, tanto na forma como se aproxima do drama íntimo da família impe­rial como na maneira como de­senha o perfil dos chefes revo­lucionários, com Lenine à fren­te. Por exemplo: quase todos os militan­tes e simpatizantes bolcheviques são rostos patibulares, homens cruéis, sangrentos, sequiosos de poder. Neste panorama caótico e confuso, o czar Nicolau e o seu sucessor Kerenski são os únicos que revelam ain­da algumas facetas de de­cência humanitária.
Mas o drama maior deste filme reside no facto de, apesar de abordar um acontecimento que transformou toda a história da Humanidade, o faz pelo lado da pequena história. Não há personagens particularmente interessantes, como seres humanos, há apenas silhuetas a que falta densidade psicológica e força interior (muito embora os actores não sejam medíocres, mas são mal servidos pelos papeis que lhe conferiram). Não se pode dizer que este facto advenha da própria natureza colectiva da revolução em questão (Serguei Eisenstein criou, como vimos, monumentais painéis dedicados à causa colectiva, basta ver “O Couraçado Potenkine”). Não se pode concluir, portanto, que este seja um filme onde o homem comum assume um papel central na História e que, por isso mesmo, perca interioridade e ganhe força na sua acção exterior. O que acontece é que é um filme menor sobre um acontecimento que o transcende e limita. “Doutor Jivago” ou “Reds” são, neste aspecto, filmes muito mais convincentes e interessantes. Apesar de não podermos recusar alguma qualidade a "Nicholas and Alexandra", estas três horas de espectáculo nem sempre são muito atractivas, nem de um ponto de vista meramente espectacular. Como dizia Roger Ebert, num texto dedicado ao filme, "Nicholas and Alexandra" parecia dar razão ao produtor Jack L. Warner (que não se cansava de protestar quando lhe apresentavam novos projectos de “época”): "Don't send me any more pictures where they write with feathers." Por vezes o filme histórico tem destas coisas.

John Reed, americano, jornalista e escritor, homem de pensamento socialista, que percorreu o mundo em busca de reportagens e conhecimentos, que viveu a Revolução Mexicana junto de Zappata e Villa, e sentiu no corpo a Revolução de Outubro, falecido aos 33 anos, com um ataque de tifo, numa enfermaria soviética, único americano a ser enterrado na Praça Vermelha, com as honras de herói da Revolução, é, obviamente, uma personagem apaixonante. Digamos mesmo que apaixonante sob diversos pontos de vista: por um lado, ao nível do seu comportamento pessoal; por outro, no plano das suas relações mais íntimas, quer com a mulher, Louise Bryant, quer com o universo intelectual, político e cultural americano e soviético da época; finalmente, porque tendo atravessado um período particularmente conturbado da história contemporânea (as revoluções mexicana e soviética, as lutas sindicais e políticas na América que conduzem à formação do Partido Comunista Americano) dele dá um testemunho vivo e poético, de rara qualidade documental e literária.
Não é por isso estranho que o cinema se tenha lembrado de John Reed. De que tenhamos conhecimento (para lá do já referido “Outubro”, de Eisenstein), ele inspirou um belíssimo trabalho do mexicano John Leduc, ”Reed, México Rebelde”, mas também a obra de Warren Beatty, tendo igualmente despertado o interesse de Serguei Bondarchutk, na URSS, que, com actores ocidentais (John Reed é protagonizado por Franco Nero), se encarregou de estabelecer certamente (não vimos!) uma biografia oficial do já lendário autor de “Dez Dias que Abalaram o Mundo”, texto que Lenine prefaciou com a recomendação de que deveria ser “publicado em milhões de exemplares e traduzido em todas as línguas”. Recomendação que se cumpriu, apesar do boicote que suportou durante vários anos, quer a Ocidente, quer na própria URSS (Estaline não gostava muito desta crónica heróica da Revolução, onde o seu nome quase não aparece, em contraste flagrante com os de Lenine eTrotsky).
"Warren Beatty, actor de tradição liberal, que muitos recordam de “Bonnie e Clyde”, que outros associam a imagem irrequieta de sua irmã Shirley Mac Laine, que alguns lembram sua estreia na realização com “O Céu Pode Esperar”, é aqui a vedeta maior deste projecto ambicioso e temerário para as tradições de Hollywood. Ele é o argumentista (de colaboração com Trevor Griffiths), o produtor, o realizador e o protagonista de “Reds”. “Reds” é a designação (pejorativa) que os americanos dão aos “vermelhos”, nela incluindo comunistas, socialistas, anarquistas, sindicalistas, isto é, toda a esquerda e organizações laborais com ela aparentadas. Na década de 50, em plena caça “ás bruxas” de Mac Carty, os “reds” foram perseguidos de forma sistemática e legalmente organizada mas, no consciente colectivo da América, essa perseguição data de tempos remotos (mesmo nos tempos da conquista de novas fronteiras ela já existia, basta recordar “As Portas do Céu”, de Cimino).
Tratava-se, portanto, de um projecto arrojado, mesmo com o seu quê de provocatório, traçar a biografia de John Reed no quadro da produção de Hollywood, inclusive contando cora um orçamento de cerca de 40 milhões de dólares, um dos maiores, senão o maior de sempre (nessa altura). Tudo isto para erguer o retrato de um homem, é certo (um heróico aventureiro, na melhor tradição americana), mas igualmente oferecer um vasto painel de uma época (os anos 10 na América, a Revolução na URSS). Difícil era estabelecer um equilíbrio plausível entre a figura e a época, sem que umas à outra se abafassem por completo. Warren Beatty consegue-o e vai mais longe. Servindo-se de vários testemunhos de pessoas que conheceram John Reed (testemunhos recolhidos desde 1972, todos eles enquadrados sob um mesmo ângulo, contra, um fundo negro e neutro), o realizador vai alternando a reconstituição com o comentário (um comentário que não é unidireccional, que flutua em função das diferentes opiniões, por vezes contraditórias, das testemunhas inquiridas), adquirindo a obra uma toada reflexiva que, todavia, não a impede também de funcionar emocionalmente, galvanizante e epopeica, intimista e secreta quando é caso disso.
Com momentos admiravelmente conseguidos (toda a introdução americana é notável de autenticidade e vigor; a sequência que assinala a Revolução Soviética, mesclando a Revolução nas ruas e a reaproximação entre Reed e Louise Bryant, é igualmente excepcional no êlan que transmite; o “comboio da História”, marchando ao som da “Internacional”, é outro momento brilhante, bem como o seu amargo regresso á “gare” de Moscovo; tudo o que se prende ao triângulo Reed-Bryant-O'Neil é particularmente bem dado, com uma sensibilidade e pudor assinaláveis), “Reds”, nas suas 3 horas e 20 minutos de super espectáculo, relembrando aqui e ali o painel plástico de “Doutor Jivago”, mas igualmente a viagem interior de “Lawrence da Arábia”, mostra-nos um cineasta que se aposta por inteiro naquilo que faz, um Warren Beatty de espírito irreverente e nada acomodatício, que lutou por nos oferece “o seu filme”, sobre o “seu herói”, com uma dignidade de olhar e uma segurança de estilo que fascinam, É evidente que a seu lado teve homens da competência de um Vittorio Storaro (na fotografia, toda ela quente e voluptuosa), um director artístico corno Simon Holland, uma montadora com a imaginação e “timing” da experiente Dede Ailen, um compositor com a riqueza de Stephen Sondheim. Mas não só. Ainda seu lado, mas frente à câmara, uma actriz comovente de sinceridade e fulgor, essa espantoso Diane Keaton, que com um olhar e um sorriso revela a força do seu talento, ou ainda um notável Jack Nicholson, uma segura e austera Maureen Stapleton, e também Edward Herrraan, Paul Sorvino, Jerzy Kosinski, entre tantos outros, que ajudam a fazer de “Reds” um belo e apaixonante filme de amor e revolução.
A REVOLUÇÂO RUSSA DE 1917 NO CINEMA

PRINCIPAIS TÍTULOS:

OUTUBRO (Oktyabr), de Sergei Eisenstein e Grigori Aleksandrov (URSS, 1927), com Grigori Alexandrov, Nikandrov, N. Popov, Boris Livanov.

O COURAÇADO POTENKINE (Battleship Potemkin), de Sergei Eisenstein e Grigori Aleksandrov (URSS,1925), com Aleksandr Antonov, Vladimir Barsky, Grigori Aleksandrov, Ivan Bobrov, Mikhail Gomorov, Aleksandr Levshin, N. Poltavseva, Konstantin Feldman, Prokopenko, A. Glauberman, Beatrice Vitoldi.

NICOLAU E ALEXANDRA (Nicholas and Alexandra), de Franklin Schaffner (EUA, 1971), com Michael Jayston (Tsar Nicholas), Janet Suzman (Tsarina Alexandra), Tom Baker, Harry Andrews, Jack Hawkins, Laurence Olivier, Michael Redgrave, Alexander Knox, Curt Jurgens.

REDS (Reds), de Warren Beatty (EUA, 1981), com Warren Beatty, Diane Keaton, Edward Herrmann, Jerzy Kosinski, Jack Nicholson, Paul Sorvino, Maureen Stapelton, Nicolas Coster, Gene Hackman, William Daniels, Max Wright, M. Emmet Walsh, Ian Wolfe, Bessie Love, George Plimpton, Dolph Sweet, Josef Sommer.

DR. JIVAGO (Dr. Zhivago) de David Lean (EUA, 1965), com Omar Sharif, Julie Christie, Geraldine Chaplin, Tom Courtenay, Alec Guiness, Siobhan McKenna, Ralph Richardson, Rod Steiger, Rita Tushingham, Adrienne Corri, Geoffrey Keen, Jeffrey Rockland, Klaus Kinski, Jack Mac Gowran, Tarek Sharif.

VERMELHOS E BRANCOS (Csillagosok, katonák ou The Red and the White), de Miklós Jancsó (Hungria, 1967), com József Madaras, Tibor Molnár, András Kozák, Jácint Juhász, Anatoli Yabbarov, Sergei Nikonenko, Mikhail Kozakov, Bolot Bejshenaliyev, Tatyana Konyukhova, Krystyna Mikolajewska, Viktor Avdyushko, Gleb Strizhenov, Nikita Mikhalkov.

OUTRAS OBRAS INTERESSANTES:
(não directamente ligadas aos dias da Revolução de Outubro, mas a acontecimentos que a precederam)

ANIMAL FARM, de Joy Batchelor John Halas (Inglaterra, 1955) 72min

ANIMAL FARM, de John Stephenson (Inglaterra, 1999), TV 91mins

THE END OF ST. PETERSBURG, de Vsevolod Pudovkin (URSS, 1927), com Vsevolod Pudovkin, Nikolai Khmelyov

ANASTÁSIA (Anastasia), de Don Bluth, Gary Goldman (EUA, 1997), com vozes de Meg Ryan, John Cusack, Kelsey Grammer, Angela Lansbury, Christopher Lloyd, Hank Azaria, Bernadette Peters, Kirsten Dunst, Andrea Martin, Jim Cummings, Liz Callaway, Lacey Chabert, Jonathan Dokuchitz.

ANASTASIA: THE MYSTERY OF ANNA, de Marvin J. Chomsky(EUA, 1986), com Amy Irving, Olivia de Haviland, Omar Sharif, Jan Niklas, Claire Boom, Edward Fox, Elke Sommer, Susan Lucci, Nicolas Suroby.

ANASTÁSIA (Anastasia), de Anatole Litvak (EUA, Inglaterra, 1956), com Ingrid Bergman (Anastasia), Yul Brynner, Helen Hayes, Akim Tamirfoff, Martita Hunt, Felix Aylmer, Natalie Schafer, Ivan Desny

FRIDA (Frida), de Julie Taymor (2002), com Salma Hayek, Alfred Molino, Geoffrey Rush, Ashley Judd

RUSSIAN ARK, de Aleksandr Sokurov (2002), com Sergei Dontsov, Mariya Kuznetsova, Leonid Mozgovoy, Mikhail Piotrovsky, David Giorgobiani, Aleksandr Chaban, Lev Yeliseyev, Oleg Khmelnitsky, Alla Osipenko, Artyom Strelnikov, Tamara Kurenkova, Maksim Sergeyev, Natalya Nikulenko, Yelena Rufanova, Yelena Spiridonova.

O ASSASSINATO DE TROSTY (The Assassination of Trotsky), de Joseph Losey (Inglaterra, 1972), com Richard Burton (Leon Trotsky), Alain Delon (Frank Jackson), Romy Schneider (Gita Samuels), Valentina Cortese (Natalia Sedowa Trotsky), Enrico Maria Salerno (Salazar), Luigi Vannucchi (Ruiz), Duilio Del Prete (Felipe), Jean Desailly (Alfred Rosmer), Simone ValPre (Marguerite Rosmer), Carlos Miranda (Sheldon Harte), Peter Chatel (Otto), Michael Forest (Jim), Marco Lucantoni (Seva), Claudio

CHAPAYEV (1934)

NENAVIST (Hatred) (1975)

SEDMAYA PULYA/СЕДЬМАЯ ПУЛЯ (The Seventh Bullet)

OS COSSACOS (The Cossacks), de Giorgio Rivalta (Itália, 1959), com Edmund Purdom, John Drew Barrymore, Giorgia Moll, Massimo Girotti

HIS WIFE'S DIARY, de Aleksei Uchitel (URSS, 2000), com Andrei Smirnov (Ivan Bunin), Galina Tyunina (Vera, his wife), Olga Budina (Galina Poltnikova), Yevgeni Mironov (Leonid Gurov)

TERRA (Earth), de Alexander Dovzhenko (URSS, 1930), com Semyon Svashenko, Stepan Shkurat, Mikola Nademsky, Yelena Maximova

FALL OF EAGLES, de Stuart Burge (1974) (mini série de TV), com Tony Jay, Charles Kay, Gayle Hunnicutt, Michael Aldridge, Frederick Alexander, John Phillips, Kenneth Colley, Michael Bryant, Hugh Burden, Patrick Stewart, Michael Kitchen, Jim Norton, Miles Anderson, Laurence Naismith, Peter Woodthorpe, Pamela Brown, Susan Tracy, Ann Castle, Rachel Gurney, Diane Keen, , Irene Hamilton, Maurice Denham, Colin Baker, Barry Foster, Denis Lill, Gemma Jones, Curd Jürgens, Michael Bates, Marius Goring, John Robinson, John Bennett, Tom Criddle, Mavis Edwards, Perlita Neilson, Frank Thornton, Gemma Jones, Michael Hordern.

DERZU UZALA, A ÁGUIA DA ESTEPE (Dersu Uzala), de Akira Kurosawa (URSS, 1975), com Maksim Munzuk, Yuri Solomin, Svetlana Danilchenko, Dmitri Korshikov, Suimenkul Chokmorov, Vladimir Kremena, Aleksandr Pyatkov. 136 mins.

A MÃE (Mother), de Vsevolod Pudovkin (URSS, 1926),

O BARBEIRO DA SIBÉRIA (Sibirskiy tsiryulnik ou Barber of Siberia), de Nikita Mikhalkov (URSS, 1998) , com Julia Ormond, Richard Harris, Oleg Menshikov, Aleksei Petrenko, Marina Neyolova, Vladimir Ilyin, Daniel Olbrychski, Anna Mikhalkova, Marat Basharov, Nikita Tatarenkov, Artyom Mikhalkov, Yegor Dronov, Avangard Leontyev, Robert Hardy, Elizabeth Spriggs.

A GREVE (Strike), de Sergei Eisenstein (1924), com Grigori Alexandrov, Maxim Strauch, Mikhail Gomarov, Alexander Antonov, Judith Glizer

LENIN IN PARIS (1980)

RASPUTIN, de Uli Edel (1996), com Alan Rickman, Greta Scacchi, Ian McKellen, David Warner, John Wood, James Frain, Ian Hogg, Sheila Ruskin, Peter Jeffrey, Freddy Findlay, Julian Curry.

RASPUTIN, de Elem Klimov (URSS, 1985), com Alexei Petrenko (Rasputin), Anatoly Romashin (Czar Nicholas II), Velta Linne (Czarina Alexandra), Alice Freindlikh (Anna Vyrubova).

AGONY: THE LIFE AND DEATH OF RASPUTIN (1975)

I KILLED RASPUTIN, de Robert Hossein (1967), com Gert Frobe, Geraldine Chaplin, Robert Hossein, Peter McEnery.

RAPUTINE, O MONGE LOUCO (Rasputin - the Mad Monk), de Don Sharp (Inglaterra, 1966), com Christopher Lee, Barbara Shelley, Richard Pasco, Francis Matthews, Suzan Farmer, Nicholas Pennell, Renee Asherson, Derek Francis, Alan Tilvern, Joss Ackland, John Welsh, Robert Duncan, John Bailey.

NIGHTS OF RASPUTIN, de Pierre Chenal (França, 1960), com Edmund Purdom, Giulia Rubini, John Drew Barrymore, Jany Clair.

RASPUTIN AND THE EMPRESS, de Richard Boleslavsky (1932), com John, Ethel e Lionel Barrymore, Ralph Morgan, Diana Wynyard, Tad Alexander, C. Henry Gordon, Edward Arnold, Jean Parker.

THE END OF ST. PETERSBURG, de Vsevolod Pudovkin (URSS, 1927), com Vsevolod Pudovkin, Nikolai Khmelyov

ARSENAL, de Dovzhenko (URSS, 1928)

DVADTSAT SHEST KOMISSAROV (1933)

PADENIE DINASTII ROMANOVYKH (1927)

SEDMOY SPUTNIK (1967)

THE WORLD AND ITS WOMAN (1919)

WORLD AND THE FLESH (1932)

ZOYA, de Richard A. Colla (EUA, 1995) (TV), com Melissa Gilbert, Bruce Boxleitner, Denise Alexander, Don Henderson, Zane Carney, Taryn Davis, David Warner, Diana Rigg, Peggy Cass, Jane How, Richard Durden, Samuel West, Brian A. Williams, Margaret Illmann, etc. 171 min
Segundo romance de Danielle Steel: uma jovem condessa russa escapa da revolução de 1917 e recria uma nova vida na América.

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